Crisálida – 1ª parte.

Postado por Augusto Molkov As 05:28 0 comentários

Sábado, 26 de Dezembro de 2009 – 20h34min.
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— Somente isso, Leonel, nada além disso. — Marcos Doria falava ao fim de um sorriso, olhando de forma altiva para seu anfitrião. — Seja sincero, é um plano extremamente simples. A única coisa que você tem de se assegurar, sem margem para falhas, é que o policial esteja morto antes do ano novo. Pode fazer isso sem chamar atenção, não é mesmo?

Leonel Hamburgo não estava feliz com aquela situação. Desde que o coração fora tirado de sua coleção tornara-se vulnerável aos caprichos da ‘família’, e Doria fazia parte dos mais caprichosos deles, lordes adoradores de deuses antigos e inomináveis. Porém não existia saída para ele, precisava se submeter aos desejos daquele sanguessuga sem alma ou cairia perante a fúria do líder da ‘família’, ele sabia que os caprichos de Doria eram caricias comparado com o que o dono da máscara faria a ele.

— Mas, Sr. Doria, você sabe que se eu coordenar uma ação contra o policial, e ele desconfiar de algo, pode colocar o coração em risco! Não sabemos onde ele o guarda e nem mesmo a extensão da ajuda que o pessoal de Dimitri forneceu a ele. O rapaz é determinado e sabe bem o que está fazendo, você se lembra o que aconteceu a sua cria quando... — Leonel não conseguiu terminar a frase ao ver a ira que crescia no olhar de Doria, engoliu em seco e abaixou a cabeça, respondendo em um tom baixo e respeitoso: — Claro, senhor, o policial estará morto antes do ano novo.

Aquela conversa se passava no restaurante de Leonel, um lugar discreto mas suficientemente sofisticado no bairro Santa Inês, era uma fachada claro, onde os homens de Leonel e sua ‘organização’ se encontravam para discutir e planejar seus próximos passos. Hamburgo se orgulhava do lugar, dizia que estava há anos na família, o que era mentira. Ali havia uma estante com diversas bebidas guardadas durante gerações, o que era verdade. Doria desviou o olhar irritado de seu anfitrião e depositou-o na estante, o sangue de Leonel esfriou sob a camisa, prezava por aquela coleção de forma fraternal, aquelas bebidas eram destinadas a celebrar os maiores movimentos, selar os maiores acordos, a perder para os caprichos que durante anos foram subjugados graças a sua posse do coração seria terrível.

— Precisamos celebrar esse plano, não é mesmo? — Disse o Lorde enquanto abria os vidros da parte de cima da estante. Escolhendo uma garrafa de vidro esculpido muito empoeirada de Scott. — E claro, firmarmos o acordo de... — Ele destampou a garrafa, e mudando drasticamente o tom de voz aproximando-se dos gritos, disse: — Nunca mais falar do que aquele infeliz policialzinho de merda fez a Thais! Ouviu bem!

A pesada tampa de vidro passara a centímetros do rosto de Leonel, espatifando-se na parede atrás dele e o obrigando a se encolher de susto. Aquela garrafa tinha mais de cem anos de idade, mas com certeza era melhor perde-la a perder a própria cabeça. Marcos cheirou a bebida, convertendo a expressão de ódio em uma súbita paz e satisfação. Aproximou-se de Leonel e entregou-lhe a garrafa, que ainda preservava quase um litro da forte bebida.

— Durante anos você tem se beneficiado da posse do coração, Hamburgo, durante anos tem induzido jovens da ‘família’ a dar-lhe o que temos de mais precioso. — Mantendo a expressão de paz e o sorriso acolhedor nos lábios, Doria forçou o braço de Leonel a levar o gargalo da garrafa a boca e começar a beber, em grandes e rápidas goladas, o Scott, que descia queimando a garganta e fazendo Leonel lacrimejar e soluçar. — Agora você tornou-se completamente dependente de nosso bem, e tem medo de fingir ainda estar com o coração, angaria a ação de um dos meus e se descoberto ser torturado até uma morte horrenda. — O corpo de Leonel parecia feito de pano ao ser torcido e forçado pelas mãos de Doria, o olhar hipnótico do Lorde o obrigava a tragar toda a bebida resistindo a anciã de vomito e a queimação. — Eu respeito isso. Essa vontade de viver. E quem poderia imaginar que um verme como você seria imune a algo tão mágico como as propriedades desse nosso bem... Quantos iguais a você podem existir por ai e nunca terão a oportunidade de descobrir tal dádiva!?

— Me perdoe... — As palavras foram difíceis de formar em uma garganta tão maltratada. — Eu nunca mais falarei disso... — Leonel balbuciou enquanto em seu íntimo arquitetava dezenas de formas de se vingar, ignorando a certeza que dificilmente teria a coragem ou a oportunidade.

— Isso o que? — Marcos sorriu enquanto aprumava Leonel novamente em posição digna. Ajeitando seu colarinho encharcado. Cheirando seu pescoço úmido de álcool. — Vamos celebrar o plano, deixe-me sorver dessa bebida guardada por tantos anos, com tanto carinho.

Então ele lhe mordeu, sorvendo seu sangue. E todo desejo de vingança foi substituído por um perturbador prazer orgástico e embreagado.

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