Crisálida – 2ª parte.

Postado por Augusto Molkov As 07:58 0 comentários

 Domingo, 27 de Dezembro de 2009 – 16h12min.

— Natasha, é esse o nome que está usando em sua missão, não é mesmo? — Leonel perguntou para a garota sentada na cadeira abandonada no meio do salão de seu restaurante. — É um nome mal escolhido, Valesca, que bom que conseguiu assim mesmo. A quanto tempo já está nisso? Nove meses? Dez?

A jovem não respondeu de imediato, olhava para os lados, insegura, já estivera com aquele homem tantas vezes e em situações tão mais constrangedoras e tinha a mente tão confusa devido sua dependência de cocaína que não conseguia mais focar-se no tipo de pessoa que deveria ser diante dele. Mas tentando deixar de ser Natasha por um instante, respondeu:

— Sim, Natasha, os rapazes conseguiram documentos e referencias pra mim, já fazem onze meses que estou xeretando o Policial Marco Aurélio Mendes, o cara que a Marisa mandou colar. De quem tenho trazido informações toda semana, às vezes menos tempo, de tudo que ele faz. — Ela lembrava dos bons momentos ao lado de Marco conforme falava, e como raramente sentira na vida, o remorso a possuía. — Tô sabendo que ele roubou algo seu, e que você quer de volta, mas se eu tentar pegar, ele vai sacar.

— Calma, ‘Natasha’, eu não pediria que fizesse algo tão arriscado. O que ele pegou de mim, vai voltar no tempo certo. O que eu quero realmente que você faça é... — Ele se interrompeu para checar o curativo no pescoço, parecia que voltara a minar sangue. — O que eu quero é que você mate-o. Simples.

Ela apertou os dedos contra o acento da cadeira, lutando para não transparecer a tensão que aquele pedido causava a ela. Já havia matado antes, em missões bem menos relevantes do que aquela. Não seria difícil matar de novo. Não se alvo fosse outra pessoa, alguém por quem ela não tivesse desenvolvido tamanha admiração. Em seus secretos, seus desejos que ninguém poderia nunca saber, ela imagina ele, o policial marco, tirando-a daquela vida, transformando-a em uma mulher comum. Esposa. Mãe. Respeitável. E ao matá-lo, não só seus sonhos iriam junto como também aquelas adoráveis férias. Aquela missão onde estava longe do toque descuidado de tantos homens, aquela missão onde um homem bom realmente gostava dela, onde era possível tomar sorvete na praça ou ir a uma pousada no interior durante os fins de semana. Ela, algumas vezes, chegou a esquecer as gangues, as armas, as drogas, e as mortes.

Leonel virou-se e foi até um espelho, grande que ocupava uma pilastra próxima, olhava o curativo no pescoço, e a grande mancha vermelha no meio. Ele conhecia os vampiros, conhecia melhor que qualquer mortal poderia imaginar conhecer. Já fora mordido outras vezes também, o que não costumava ser problema. Os dentes entravam, o sangue saia, o beijo era dado e não restava dor alguma. Porém Doria tivera o cuidado de rasgar seu pescoço de forma há não parecer os dois clássicos pontos ‘mordida de vampiro’ e depois não usufruir de seu talento ‘natural’ de fechar feridas. Deixando as marcas. A lembrança. Leonel sabia o que aquilo queria dizer, era o sinal de ‘não me decepcione’ que só sairia quando o policial enxerido estivesse morto.

— Não tem nada a dizer, Valesca? — Disse casualmente, ainda olhando no espelho.

— Como ‘cê quer que o trabalho seja feito? — Ela engoliu seco depois de dizer, apertando a cadeira com tanta força que os ossos dos dedos estralaram. — O de sempre?

— Sim, sim. O de sempre. Acidente. Encontre o momento oportuno. Mas lembre-se ele é policial, e seus colegas vão pegar mais pesado nas investigações. Incentive-o a se colocar em alguma situação de risco e sabote-o. Tira as balas da arma dele ou algo assim. — Ele removeu o curativo para olhar os pontos mal feitos por seus capangas. Tapando-o em seguida e pensando em quem pedir para fazer um trabalho melhor que aquele sem ir à um hospital levantar suspeitas. — Mas seja rápida, faça-o nos próximos três ou quatro dias e prometo que será recompensada como nunca foi antes. A propósito... — Ele voltou até ela, enfiou a mão no bolso e tirou dois ‘papelotes’ de cocaína, entregando-a. — Um é pra você, o outro é para plantar no alvo. Em quaisquer circunstancias ira complicar as investigações.

Ela pegou os papelotes, ávida por eles. O que ela mesmo não entendia, o desejo que tinha pelas drogas havia mudado. E o melhor que ela conseguia pensar a respeito era ao lembrar dos encontros as escondidas, dos quais ela tinha muita dificuldade em se lembrar, com o tal Marcos Doria. Ela sentia um impulso em consumir a droga em determinados momentos, mas não era como antes, ela se sentia como programada em fazê-lo. Assim como a fraqueza que sentia momentos depois era diferente agora, sentia-se fraca, mas sem a ressaca. Há sim, e a viagem, essa era a que mais mudara. Agora era algo extasiastico, sexual, um prazer maior que tudo o que conhecera. E ela usara cocaína por anos, não era assim antes, e não conseguia lembrar-se do que mudou.

— Pode deixar, chefe. Considere feito. — Ela levantou-se, ajeitou a bolsa no ombro e seguiu em direção a porta da rua. — Se nenhuma outra oportunidade surgir, eu levo-o a uma ‘overdose’. ‘Cê vai ver que será trabalho de mestre.

Saiu depois disso, ao virar a esquina e saber que nenhum dos olheiros dos seus chefes poderiam notá-la, ela começou a chorar.

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